A comunicação é o super-poder da humanidade
Reflexões sobre a linguagem, o domínio e o descontrole
"A língua é o que nos faz humanos, é o que nos permite viver em sociedade e criar. Por isso, ela é e será sempre o meio que temos para construir e transformar o mundo segundo os nossos desejos." Isa Grinspum Ferraz e Hugo Barreto
A comunicação é o super-poder do Homem.
E a linguagem é o mundo. Tudo o que existe no nosso cotidiano, existe em palavra primeiro. Todas as culturas modernas são calcadas na comunicação. É ela que cria o que vemos, sentimos, comemos e tocamos.
A linguagem começa no nosso cérebro, que é um contador de histórias nato. O cérebro de um ser humano adulto consegue formar, na média, 10 bilhões de frases com mais de 60 mil palavras conhecidas. Um estádio do Morumbi lotado.
Sabemos que ele faz isso "sozinho", de forma natural. Mas será que deixá-lo trabalhar sozinho é o suficiente para nos posicionarmos da forma como gostaríamos de ser percebidos? Falar e se comunicar de forma eficiente definitivamente não são a mesma coisa.
Quero abordar aqui um exemplo recente, do último debate eleitoral para presidência dos Estados Unidos, promovido pela CNN. O atual Presidente Joe Biden teve um desempenho considerado ruim por apoiadores e opositores. Pior do que qualquer outro.
Além de se apresentar com uma energia baixa, voz falhando e uma postura quase que de cansaço, Biden travou em uma resposta sobre os planos de saúde no país e não conseguiu construir o seu argumento. Ele perdeu o raciocínio, gaguejou, abaixou a cabeça e manteve o olhar sem foco. Poucos segundos e uma série de pequenos gestos que podem custar o resultado de uma eleição.
Para quem não viu, recomendo assistir esse trecho aqui:
A repercussão sobre o tema está enorme.
Em pesquisa após o debate, 72% dos entrevistados disseram que Biden não está mentalmente apto a ser presidente.
E pior, 45% dos eleitores Democratas, que apoiam Joe Biden, disseram que ele deveria abrir mão da candidatura.
Ou seja, uma má performance de comunicação é suficiente para arruinar a busca pelo cargo mais importante do mundo. Não podemos confiar que o nosso cérebro fará todo o trabalho sozinho, de forma automática. É preciso estudo, conhecer as técnicas de comunicação verbal e não-verbal e muita prática para dominarmos a arte da retórica.
É claro que todo ser humano está sujeito a "travar" e perder a linha de raciocínio. Até mesmo as pessoas com os melhores profissionais do mundo por trás. Eu não vou entrar na questão da idade do Presidente aqui, que tem sido usado por muitos como justificativa para a baixa performance no debate. Estou partindo do princípio que um candidato à presidência dos Estados Unidos tem os recursos que se precisa, independente da idade, para se colocar de forma clara e persuasiva.
O que acho importante refletirmos é que não foi o "branco" que arruinou a performance de Biden. Mas sim, como ele reagiu a isso. É possível comunicar segurança mesmo quando esquecemos uma palavra ou quando o raciocínio do que estamos construindo parece fugir. Nessas horas, devemos nos apoiar na comunicação não-verbal, na postura, na cabeça ereta, olhar na audiência e semblante firme (reparem que é o oposto do que ele faz).
Podemos também verbalizar que nos perdemos na construção e que vamos recomeçar. Com jogo de cintura suficiente, é possível até aproximar a audiência em uma situação como essa. Criar conexão através da identificação. Fazer uma piada, sorrir e retomar o controle.
Este é um exemplo de que a comunicação é o super-poder do Homem, mas se saem melhor aqueles dominam os próprios poderes. E não o contrário.
(Esse texto surgiu a partir das reflexões de uma ida recente ao Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Recomendo fortemente o passeio!)
"Quando uma pessoa como eu escreve um texto e outra pessoa como você se dispõe a lê-lo, uma rede de relações complexas se estabelece. Essa rede, por sua vez, passa imediatamente a compor uma malha ainda mais complexa, infinita, formada por todas as narrativas que tecemos para nos conectar ao mundo. Concatenar palavras e sentidos é um dom que já nasce com a imensa maioria de nós. O verbo é a nossa praia. (...) Na mente, a linguagem é rainha. Afinal, o que mais nos distingue de outros seres vivos senão a nossa habilidade de propagar ideias em registros vocais ou gráficos? (...) O mistério da língua está íntimamente ligado ao mistério da própria existência."
Carlos Nader (no Museu da Língua Portuguesa)
Objetivo, oportuno e orientador. Adorei!